martes, 9 de junio de 2009

Dulcinéia Catadora: Do papelão para o infinito

Cooperativa paulistana utiliza papel reciclado para viabilizar obras de autores consagrados e estreantes, sobretudo na área de poesia.

Um projeto estético-social pulsa no coração da Vila Madalena, em São Paulo. Dentro de (apenas) uma sala de 15 metros quadrados. Lá, desde 2007, dez pessoas – em sistema de cooperativa – tocam a Dulcinéia Catadora, editora que destoa completamente dos padrões brasileiros. O selo já viabilizou 35 títulos. Entre eles, o catálogo bilíngüe (português-espanhol) – sobretudo poético – inclui o concretista Haroldo de Campos, o cult Jorge Mautner, o "portunhol" Douglas Diegues e o praticamente desconhecido Marcelo Ariel – por muito tempo menino de rua em Santos –, entre outros debutantes. Até aí, além da diversidade, quase nada de novo. Mas há um (imenso) diferencial: a começar pelas capas dos livros.

Toda a obra viabilizada pela Dulcinéia Catadora tem a capa feita com papelão comprado em cooperativa de material reciclado. "O quilo vale R$ 0,30, mas pagamos R$ 1, para fomentar a atividades", conta Lúcia Rosa, artista plástica, diplomada em Letras, integrante do projeto. No miolo dos livros, é utilizado papel reciclado industrializado. O projeto gráfico é fruto do engenho de um dos meninos, na faixa dos 17 anos, que integram a equipe. "Alguns deles, inclusive, fazem cursos de editoração eletrônica", comenta Lúcia. E as ilustrações das capas ficam sob responsabilidade de filhos de carrinheiros e/ou menores de 18 anos em situação de vulnerabilidade.

Veredas inéditas

O poeta Ademir Demarchi, maringaense radicado em Santos (SP), teve o livro Do Sereno Que Enche o Ganges editado pelo selo. Editor da revista Babel, com livros viabilizados por editoras comerciais, Demarchi é todo palmas para a ação da Dulcinéia Catadora. "Em primeiro lugar, o selo abre espaço para a poesia, gênero discriminado pelo mercado editorial brasileiro. E tem mais: o projeto publica estreantes e consagrados, sem discriminação", diz.

Joca Reiners Terron, escritor publicado pela Planeta (uma das maiores editoras do mundo), encorpa o catálogo da Dulcinéia Catadora com Transportunhol Borracho. "Num país como o Brasil, onde a leitura é fator excludente, a Dulcinéia Catadora adquire valor quase sobrenatural", diz Terron, referindo-se ao fato do projeto mover o negócio dos catadores e ainda abrir portas para novatos. Sebastião Nicomedes é um ex-sem-livro graças à iniciativa, que publicou Cátia, Simone e Outras Marvadas. "Eu acho o máximo [o projeto]. Dá mais valor às obras e credibilidade, uma sensação única de igualdade", comemora.

Maicknuclear Thiago Lenin, autor de Meu Doce Valium Starlight, comenta que um dos (muitos) méritos do projeto "é o fato dos livros serem criados artesanalmente por catadores de papelão e oficinas de criação de livros". E o paranaense Wilson Bueno, de quem a editora publicou Chuvosos, entusiasma-se ao saber que o projeto "insere as mãos de unhas sujas dos catadores de papel em seu duro e indispensável trabalho, pra recontar a velha ars litteraria".

Qualquer autor pode vir a ter um livro editado pela Dulcinéia Catadora. A equipe do projeto, inclusive, convida escritores e poetas paranaenses a enviar originais para o e-mail dulcineia.catadora@gmail.com.

Uma vez aprovado pelo conselho editorial, o livro recebe tratamento gráfico e tem tiragem média de cem exemplares. "À medida que houver demanda, imprimimos mais", afirma Lúcia Rosa. Cada exemplar é vendido por R$ 5.

A Dulcinéia Catadora é parceira-irmã do projeto Eloísa Cartonera, da Argentina.

"A idéia é ter um núcleo em cada país da América Latina", diz Lúcia.

Márcio Renato dos Santos


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