I
Eu gostaria de focar minha apresentação hoje nas palavras que anunciam este seminário: "Cultura como Estratégia de Sobrevivência". Gostaria de compartilhar algumas ideias e até mesmo perguntas sobre a ideia de sobrevivência.
Falamos de sobrevivência como um elemento importante, mesmo quando sua definição tem mais a ver com um conceito biológico do que social. Há momentos em que sobreviver é a resposta errada, conservadora, sublimando a permanência acima da noção de viver. Às vezes sobreviver (ou querer sobreviver) é o que nos torna mais fracos, o que nos leva a perder nossa intenção de viver, o que nos torna simplesmente animais. Para entender o ser social, às vezes não deveríamos sobreviver.
Examinando a ideia de sobrevivência de um ponto de vista social, poderíamos chegar à conclusão de que é exatamente a batalha contra essa noção de estabilização que leva ao avanço social. É a reação na presença da morte (ou seu equivalente: a inércia social) que define o tipo de sujeito social que somos. Portanto, a pergunta para mim seria: o que fazemos após termos sobrevivido? Por quanto tempo deveríamos sobreviver? E a mais importante para mim: por que sobreviver? Todas essas perguntas têm a ver com responsabilidade.
A palavra estratégia também implica uma situação frágil, uma solução no curto prazo, um estado transitório. Poderíamos dizer que uma vez que a arte tem uma função socialmente limitada, uma representação não é a apresentação de soluções, mas sempre uma diversão temporária.
A responsabilidade da cultura não deve ser fundar na oferta de estratégias de sobrevivência, mas em dar uma noção da sobrevivência. A Cultura como ferramenta social deveria nos levar a fazer alguma coisa com o medo e o desejo de recomeçar. Porque sobreviver é um processo de apagamento, um processo de desestabilização de valores, um processo onde definimos que aspecto social é importante para nós e quais são aqueles (valores) aos quais devemos dar prioridade.
Sobreviver é um processo em que a reflexão abstrata se torna corpórea.
Para nos restringirmos ao mundo da arte, poderíamos dizer que há dois tipos de arte: aquela interessada na representação - poderíamos dizer que é a arte daqueles interessados em ser narradores - e aquela interessada em "colocar em prática", implementar ideias - aquela dos interessados em fazer. A primeira está mais interessada em manter os arquivos e desenvolver recursos em um ambiente protegido, reservado para observação. É por isso que eu estou mais interessada em falar da segunda posição, porque ela está mais comprometida com um relacionamento político e mais dentro do discurso da realidade.
II
(a politização da sobrevivência)
Eu gostaria de citar algumas palavras da apresentação que acabamos de ouvir de Lisette Lagnado, quando ela pergunta: "Uma mostra hoje pode estabelecer um lugar que pertença à política, como acontece com fábricas, ruas ou a Universidade?"
Acredito que isto não só seja possível, mas seja o desafio da arte hoje. Acredito que haja elementos estruturais pertinentes a esta busca:
1. a ideia de uma arte contextual,
2. a ideia de uma arte útil,
3. a necessidade de mudar o tempo do consumo da arte,
4. a construção de um novo papel para o espectador,
5. esquecer a ideia de que a arte é eterna.
Os artistas dizem frequentemente que falam pelos outros. É a velha ideia de artistas emprestando sua voz para aqueles que não a têm, mas como bem sabemos, isto é problemático. Deveríamos dar o espaço privilegiado de artistas aos outros, àqueles que não têm espaço social, porque não estamos em tempos de falar, de dizer. A arte já encontra muita concorrência novad mídias (internet, SMS e assim por diante). Estamos em tempos de fazer, transformar palavras em ação, de uma fonte de informação e observação para uma fonte onde ferramentas sociais são criadas. Os artistas devem ceder seu espaço, um espaço de privilégio social, porque é um espaço onde você pode re-imaginar e então reconstruir uma relação de poder: um espaço que torna disponíveis ferramentas que podem ser transportadas para o mundo real.Arte política, a arte que quer estar em um sítio/lugar político, deve pensar também, não em cumprir um trabalho para os outros ou por causa dos outros, mas em realizar um trabalho feito pelos outros. Um trabalho em que eles sejam o material, o tópico, o espectador e a documentação, onde tudo seja uma só coisa, uma atividade onde pensar e fazer sejam uma unidade.
É por isso que os artistas também deveriam redefinir seu papel e sua forma de colocar em prática seu conhecimento da visualização do pensar.
O que eu considero importante também é a necessidade de mudar os conceitos de consumo ligados à arte (principalmente agora que estamos vivendo o colapso do campo capitalista e eu estou me referindo aos aspectos de sua produção, apresentação e processo de aquisição. A arte política tem a chance não só de sugerir uma maneira diferente de construir modelos de relação entre objetos (o que é algo que está diminuindo na esfera de ação do capitalismo), mas também de sugerir modelos de relação com a ética.
Mais do que uma arte feita sobre política, estou interessada em uma arte feita politicamente, sugerindo novas estruturas de ativação de poder, onde a igualdade (equidade) é uma barganha constante e contínua, uma arte que estabelece estruturas móveis de observação, porque é verdade que fazemos trabalhos de arte que falam do aqui e agora, mas são feitos com estruturas de observação que pertencem principalmente ao século 19 com todas as implicações políticas e de classe que vêm disso.
Os artistas deveriam se diluir em seus papéis, devem estabelecer o nível e as condições de auto-sabotagem com as quais eles irão trabalhar.
III
Os artistas deveriam se auto-sabotar
A maneira com a qual os artistas deveriam sobreviver é perdendo sua memória, não considerando o trabalho que fizeram como capital acumulado e estando prontos para abrir mão de sua história individual a qualquer momento.
O público também deveria parar de ser protegido. O mundo da arte, com todas suas instituições, tornou-se um lugar que visa a proteger o público (devido ao interesse em educá-lo ou à intenção de entretê-lo).
Os artistas deveriam se auto-sabotar dentro das expectativas que criaram com seu trabalho. Deveriam agir da mesma forma com as expectativas de carreiras projetadas previamente, em que parecem ser gerentes de pequenas corporações, mostrando a capacidade de produzir (a produtividade) conceitos ligados à concepção da sociedade como capitalista e não a uma nova ideia de sociedade, uma sociedade que pode não existir ainda, uma sociedade que se pretende debater.
Os artistas deveriam se auto-sabotar em sua relação com os outros no mundo da arte, deixado de agradar a si mesmos, e principalmente às instituições.
Os artistas deveriam se auto-sabotar parando seu trabalho, abandonando suas posições confortáveis e procurando um lugar diferente, que eles não conhecem; deveriam deixar de fazer projetos e, realmente, viver. Os artistas deveriam parar e começar do zero, de um lugar que não evoque a autonostalgia, um lugar onde todas as nossas inseguranças estejam presentes, um lugar inseguro, um lugar que não afirme a nossa própria importância, um lugar onde a arte não seja um conceito importante. A arte deveria ser um conceito que aparece mais tarde, após o fato, e não uma decisão a priori.
IV
Efêmeros como uma forma de sobreviver nos outros.
Os trabalhos da arte social deveriam usar o tempo social e os espectadores deveriam deixar de serem espectadores e se tornarem seres sociais para "ver o" (também se poderia dizer "estar no") trabalho. Os curadores também deveriam mudar, porque a arte política deve lidar com a ética e valorizar esse discurso, devemos abandonar o mundo representacional e entrar no mundo de relações de poder. Então, a estética deveria ser a efetividade dessas relações e a beleza seria vista como os momentos em que essas utopias se materializam.
A ideia, eu poderia dizer a pressão, que como artistas temos que fazer coisas que nos permitam sobreviver é algo que deveríamos rejeitar, porque condiciona as ideias da arte como arquivo, como um índice, e não a arte como uma resposta contextual, como uma resposta ao momento presente.
A arte política deveria parar de usar referências e comecar a criar referências.
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